Precisamos falar sobre bullying.

01:58

Foto de: Chico Ludermir.
Precisamos falar sobre bullying.

Eu não lembro a primeira vez em que sofri bullying, mas lembro os mais “marcantes”, ou seja, os mais sofridos.

Desde criança eu era alvo de piadas homofóbicas/transfóbicas. Era tratada como: “viadinho da sala”, “que gosta de brincar de bonecas”, “que só quer ficar com as meninas”, “que não joga futebol”, “que ninguém escolhe para algum time na educação física” e “que não tinha dupla para as atividades na escola”. 

Hoje, assisti um documentário na netflix chamado “Bullying” que mostrava a realidade de algumas escolas nos Estados Unidos, onde alguns garotos (as) sofriam bullying.

No documentário vários casos foram mostrados. O de um garoto que era chamado “Cara de peixe” e sofria constantes agressões dos “colegas” de sala, o de uma garota lésbica que foi humilhada por seus professores, mostraram também dois casos de garotos pequenos, sim, pequenos, que cometeram suicídio, um desses garotos tinha apenas 11 anos e decidiu tirar a própria vida porque não aguentava mais sofrer na escola.

O que mais me assustou, porém não me surpreendeu, foi o fato da escola não tomar nenhuma atitude, pois TODOS, sem exceção, procuraram pela direção e contaram as agressões, e quase nenhuma escola tomou uma atitude em relação a isso, e quando tomava não era o suficiente.

Eu lembro o quão difícil era para mim ir para escola, só minha mãe e eu sabemos o tanto de noites em que eu chorei porque não queria acordar no outro dia para ser maltratada na escola.

Tiveram três casos bastante marcantes para mim, o primeiro foi quando eu era 5 ou 6 série e o sinal para sair do recreio e voltar para as salas de aula tinha tocado e eu estava subindo as escadas quando dois garotos me empurraram escada abaixo, um disse “boiolas vão atrás” e o outro, que é primo dele, me empurrou. 

Eu lembro o tanto que chorei, não apenas pelo acontecido, mas por não entender o porquê que eu era motivo de vergonha, ou de ser empurrada uma escada abaixo. Eu tive vergonha. Vergonha de contar para minha mãe, de contar para a coordenadora, eu tive vergonha do que aconteceu, porque naquele momento senti que eu não merecia estar viva, então, eu entendo o porquê nós, crianças e adolescentes, pensamos em suicídio, muitas vezes doí demais o que acontece, e se você realmente não tiver um apoio em casa, ou na escola, é mais “fácil” tirar sua própria vida do que ter que sofrer todo dia.

Minha mãe é meu anjo, porque todo dia eu sabia que voltando pra casa eu ia ter um ombro para chorar, eu sabia que ia ter alguém para me ouvir. Ela sempre tentou me proteger de tudo, mas, todos nós sabemos, que isso não é possível. Mas e aqueles que não tem essa mãe? Ou esse pai, ou tia ou qualquer outra pessoa para desabafar, o que eles devem fazer? 

O outro caso foi quando eu era oitava série, e as eleições para representante de sala já tinham passado. Um dos representantes teve a ideia de fazer uma caixinha com dicas de como melhorar o comportamento da sala. A caixinha foi feita, e no final da aula de português, ele ia tirar os papéis da caixa e ler para turma. Um dos últimos papéis tinha escrito “tirar o viado da sala”. Eu lembro que imediatamente sai da sala e fui, chorando muito, falar com a coordenadora. Minha mãe foi no colégio e ameaçou inclusive processar o colégio se nada fosse feito. 

A atitude tomada foi o professor de filosofia dar uma aula sobre homofobia, o que na época deu até certo.

Já o último caso mais marcante para mim, é um dos posts mais visualizados aqui no blog, o “Humilhação No Colégio”.

Mas não é só isso, eu sei que amigos (as) meus sofrem/sofreram bullying no colégio, como meu amigo trans que não pode usar o vestiário masculino na escola e é obrigado a esperar todas as meninas sairem do vestiário para ele poder se arrumar. Não só isso como também tive amigas que eram constantemente agredidas verbalmente por serem gordas.

O que temos que refletir é, o que estamos fazendo para essas crianças e adolescentes?
Por que estamos deixando vários jovens chorarem todo dia após a escola? Por que tem tantos jovens hoje em dia usando anti-depressivos, ou que se cortam ou até mesmo que já se suicidaram?

Quem não está numa escola que o defende, ou numa família em que ele pode ser ouvido, o que esse jovem pode fazer para se sentir melhor?

Foi doloroso assistir esse documentário e relembrar as coisas que eu já passei, mas é mais doloroso ainda eu receber centenas de mensagens na página do meu blog pedindo ajuda porque estão sofrendo homofobia, transfobia, ou outras agressões na escola e não sabem o que fazer ou com quem contar.

Isso precisa mudar, precisamos de leis, precisamos de diretores que tomem atitudes, precisamos de professores que não exponham seus discursos de ódio disfarçados de “apenas minha opinião” e constranjam algum aluno. Não é normal um aluno ser agredido e seu agressor ficar impune. Por que tem tantos jovens hoje em dia com medo de ir para escolas? Por que eu, depois do meu intercâmbio, não queria voltar ao Brasil por medo de entrar em alguma escola? 

Não que as escolas nos Estados Unidos sejam perfeitas, mas pelo menos as que eu estudei, eu me senti muito segura, até porque nas duas escolas que eu frequentei durante meu período de intercâmbio, tinham outras pessoas trans, e tinha também um clube lgbt em uma das escolas. 

Bullying não passará.
Seja forte. Depois de uma tempestade vem um arco-íris. Não importa o que te disserem você é forte, é bonito, é amado. 
Se precisar de ajuda, pode contar comigo.
Existe também o CCV ( “CENTRO DE VALORIZAÇÃO A VIDA” ), você pode entrar no site e receber ajuda tanto por telefone, quanto por internet, http://www.cvv.org.br/.
Stay Strong!


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12 comentários

  1. Brilhante texto! Parabéns pela qualidade da palavra e pela sensibilidade do conteúdo,Anne. Também sofri bullying quando pequeno por ser negro, gordo, gago e pobre. Tenha certeza que seus textos levam luz onde há escuridão. Sucesso!!! Bjsss...

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    1. Força pra nós <3, Obrigada pelo apoio, existe também a página do blog se quiser visitar, https://www.facebook.com/transtornada.blog/?ref=aymt_homepage_panel
      Obrigadaaaaa, bjs <3

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  2. O colégio, que deveria educar e desconstruir preconceitos, abrir as mentes nada fazem. Eu também tive problemas no colégio(vai comecar aqui meu desabafo, se quiser passar pode passar)me chamavam de menina macho por ter comportamentos e gostar de coisas de "meninos". Reclamei no colégio, mas parece que a única coisa que mudou foi que eles pararam de fazer isso na minha frente, passaram a fazer pelas costas. Fiquei triste, me senti traída pelo colégio, logo ele que "educa" faz uma presepadas dessa. Passei longos 3 anos até perceber que não dava mais pra continuar com as discretas pisadas nos pés ou pequenos empurrões. Saí de la e agora estou feliz, apesar de ter deixado amigos (verdadeiros) para traz. São lutas diárias, claro que a minha foi só uma gota se comparado ao oceano que você sofreu/sofre diariamente, acabei utilizando esse comentário pra desabafar :v. PARTE IMPORTANTE:Estudei no considerado "melhor colégio de Recife" que de bom só tem o nome. Parecia um porco antes do abate, eles queriam vacas gordas e não vacas respeitosas, humanas e que se importam com os outros. Não falavam sobre nada, não educaram a gente pra respeitar os outros. Ser popular lá não era ser o mais inteligente ou o mais bonito, ser popular lá era esmagar os outros, rebaixar os outros. Bonito lá era conseguir botar as pessoas pra baixo. Não era bonito respeitar as diferenças. Nos 3 longos anos que passei nesse colégio, não ouvi falar nenhuma vez em diversidade, em respeito, em nada. LGBT parecia uma palavra proibida. Pré conceito tbm

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    1. Li seu desabafo meu amor, força pra nós!
      E concordo contigo em tudo, o colégio que era para abrir mentes, hoje em dia, faz o contrário disso...
      Enfim, obrigada pelo comentário <3 bjs e força!

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  3. Sua história me fez lembrar o dia em que meu irmão estava jogando vôlei e havia uns garotos tirando sarro dele por causa de seus trejeitos afeminados ao jogar. Eles não sabiam que eu era irmã, tampouco que havia alguém atrás ouvindo tudo. Não lembro detalhes se minhas mãos estavam vazias, mas tive a oportunidade de pegá-lo de surpresa e reagir com violência, batendo na cabeça dele por trás. A confusão seria grande, eu ia apanhar muito, com certeza (tinha uns 5 caras maiores do que eu, que sou mulher), e ele não saberia também o porquê de estar apanhando até que eu falasse (tamanha era a homofobia da época).
    Todos éramos muito jovens e, embora demonstrasse, meu irmão não havia saído do armário ainda.
    Fato é que me acovardei porque temia as consequências do meu ato na escola, só por isso. Diabo é que carrego comigo o absurdo arrependimento de não haver defendido o meu irmão quando foi absolutamente necessário, custasse o que custasse. Ele nunca soube, nunca viu, mas eu vi e ouvi. Posso dizer o quanto doeu.
    Força pra você, tudo de bom.

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    1. Own meu amor, que atitude linda, apenas o fato de você já ter se levantado para ter tentado parar a situação já vale muito, <3 Que lindo seu amor pelo seu irmão, FORÇA PARA VOCÊS DOIS <3
      beijos <3

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  4. Desde que eu entrei na 2 série em uma escola aqui perto de casa eu sofria bullying. Tinha uns meninos que viviam me chamando de traveco (não sou trans, nem lésbica.) E naquela época eu não sabia o motivo deles fazerem isso. Era muito difícil pra mim aceitar que eu era considerada anormal e que constantemente recebia xingamentos. Isso se manteve até a 8 série. Quando entrei no primeiro colegial isso mudou. Os alunos eram mais maduros e me aceitavam e não me viam como uma "aberração" como os outros viam. Mas as marcas ficaram pra sempre. Só de lembrar disso eu me envergonho. Eu constantemente era jogada no banheiros dos meninos e trancada lá. Eu ficava tão triste, tão confusa. Eu falei para os meus pais que foram na escola, a escola falou com as pessoas que faziam isso mas nada mudou. Eu comecei a me cortar com 10 anos. Tenho os braços cheios de marcas até hoje. Tenho transtorno de personalidade, ansiedade e crise do pânico. Tomo vários remédios. Já tentei suicídio várias vezes. Ainda é difícil. Tenho apenas 19 anos, mas sinto que não passarei dos 20.

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    1. Passará sim!! Força meu amor, todos nós estamos lutando contra os nossos demonios diariamente, o que aconteceu contigo já passou, agora é seguir em frente e escrever novos e belos capitulos da sua vida, eu te entendo, já pensei em suicidio também, é foda quando você acha que ninguém lhe entende ou que não tem apoio nenhum, mas você tem, e várias pessoas já passaram ou estão passando por coisas similares ao que já passasse.
      Força e não desista!
      Tamo junta <3

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  5. Acabei de conhecer o seu blog e estou amando. Tenho um "problema" na minha vida que é não conseguir explicar para as pessoas minha opção sexual. Sofri muito achando boa parte da minha vida que eu era assexuada porque não sentia diferenças entre meninos e meninas. E, no final, descobri que era porque eu era bi. Tive preconceito com isso tanto na sociedade quanto na comunidade LGBT que, por eu namorar uma garota muito cedo sem nunca ter namorado um homem, achavam que eu estava me "escondendo" de ser lésbica.
    Hoje em dia já notei que minha sexualidade é ainda mais abrangente. Sou pansexual, porque me sinto atraída por gêneros fluídos ou agêneros e, por mais que isso esteja sendo discutido na internet, só tenho como conversar sobre isso com pessoas de outros países, porque aqui no Brasil ainda é considerado tabu ou simplesmente "errado".
    Nunca tive problemas com bullying nesse nível, mas muito porque eu não me importava ou não entendia as piadas. Quando era adolescente eu não me sentia bonita, então não achava que deveria usar roupas femininas. Achava que isso iria destacar minha feiura, então passei a usar roupas masculinas. E não namorava. Imagino que muitos pensavam que eu era lésbica. E eu nunca liguei. Não são eles que vivem a minha vida. Mas alguns amigos meus me avisavam quando alguém falava algo sobre mim. Tive sorte de ter eles para me alertar sobre esses comentários ruins e me apoiarem. Éramos um grupo de estranhos, nerds e roqueiros. Entendíamos que quem foi vítima de algum tipo de descriminação nunca deveria ter preconceito com nada, por sabíamos o quanto isso machuca e é injusto.
    Você ainda é adolescente e eu, a "velha" de 25 anos, posso te assegurar que essas coisas passam. Não sei como você está agora, mas se tem algo que aprendi é que, se estamos onde estamos é porque sobrevivemos a 100% do que nos aconteceu, e isso é algo incrível.

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    1. Isso ai!
      Força e continuemos andando, nunca paremos!
      Muito obrigada por compartilhar sua história fiquei muito feliz e me senti mais encorajada a encarar os desafios do dia-dia, parabéns pela força <3
      Estamos Juntas <3

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  6. Sou de uma família que à 4 gerações é ou do exército ou da marinha, imagine o meu pavor para contar ao meu pai que eu era gay. No meu caso eu tive 100% de apoio da família, porém, fui obrigado a começar a treinar artes-marciais para saber me defender nesses momentos.

    Sofri muito na 6 e 7 série, na oitava arrumei uma briga épica com o machão da escola e venci ele, no dia seguinte a situação mudou da água para o vinho.

    Infelizmente tenho que concordar com o meu velho pai, ignorância e preconceito se combate com força bruta, eu mesmo sendo gay e negro consegui me impor no colégio, faculdade e atualmente no trabalho.

    Continue firme, você arrasa!

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  7. Olá Anne!
    Primeiramente gostaria de dizer que adimiro e respeito muito você por ter essa força e empoderamento.
    Participei do filme da "Alice Júnior" infelizmente não pude conhecê-la por que nossos personagens não tinham relação direta (fiz o vendedor de pinhas) enfim...
    Tem uma amiga minha que está fazendo o TCC de psicologia voltada a violência com pessoas Trans, ela precisa de ajuda pra pesquisa dela com um formulário (no link abaixo).

    https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSd7hVIY_mcIm_W3L1xA4YClmgOtvnEMQmkTEvtkMdGTdrPlqA/viewform

    Obrigado pela atenção. E sucesso com o filme.

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